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Luciana Rique (Rio de Janeiro, 1978), vive e atua entre Londres e o Rio de Janeiro. Sua pesquisa artística tem a fotografia como linguagem, por meio da qual ela investiga percepções em geral não visíveis e insondáveis. O conjunto de suas obras visam criar um universo paralelo às realidades do entorno. Inspirado num viés meditativo, suas obras tangenciam o minimalismo e a questões conceituais ligadas à herança modernista da fotografia.

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Luciana formou-se na New York University e depois foi estudar fotografia na Speos, em Paris, onde trabalhou como assistente do fotógrafo Jean Pierre Dutilleux.  Mais recentemente, participa de grupos de arte e fotografia no Brasil e em Londres. Faz acompanhamento artístico com Agnaldo Farias e mentoria com o curador Eder Chiodetto. 

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Teve sua primeira exposição, Entreato, em setembro de 2023, no Rio de Janeiro, que foi parte do circuito da Art-Rio. Participou da Residência Artística Luis Maluf em janeiro e fevereiro de 2024, e apresentou seus trabalhos na exposição coletiva da Usina Luis Maluf, e na exposição Acervo, na Galeria Luis Maluf, parte da programação da SP-Arte. 

 

Seu ateliê, no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, possui obras disponíveis para compra e pode ser visitado com hora marcada. 

"Meu trabalho tem a fotografia como linguagem, onde meu inconsciente é visualmente acessado. Ele é sensorial, espiritual, reflexivo e atemporal. Uso a câmera como meu pincel, traduzindo emoções que não consigo expressar verbalmente.

 

Minhas obras transcendem esse universo que habitamos e conhecemos. Elas revelam o que está escondido dentro de cada um de nós. Quando internalizamos essa imagem, ela é uma representação muito potente de alguns estados de ânimo, do que está represado e de repente ganha espaço. Transmito a ideia de investigação, de buscar o não-sabido, de desvendar mistérios. 

 

Vou criando e dando voz a um mundo não ouvido, não falado, não visto, camuflado, um mundo paralelo, onde não há gravidade.  Vou desconstruindo regras e formas. Meus personagens fictícios ganham voz, alma, força; eles flutuam, eles vibram, eles dialogam entre si e se acolhem. Há esse lugar de um certo silêncio, uma suspensão, uma levitação, e o trabalho acaba sendo terapêutico para quem tem a habilidade de contemplar. 

 

Meu uso do desfoque ajuda a trazer essa leveza, esse mistério, essa espiritualidade. Parece que as coisas estão por escapar, nos dá vontade de entrar nelas, de ir além. Minhas obras desaceleram nosso ritmo altamente veloz de hoje em dia, nos acalmam; um tempo que escorre mais lentamente, nos impulsionando a um estado de meditação. Elas nos fazem ver algo além do que eh, a ler nas entrelinhas, a entrar numa fresta e não num lugar dado. Crio uma ilusão, miragens; muitas vezes flagrou algo que está em movimento, a caminho de construir uma imagem, sem ser a imagem. 

 

Estou emocionalmente tateando um mundo novo. Atuo no campo da sinestesia, provoco sensações que não respondem tanto a nossa racionalidade. Ao navegar neste subconsciente, enxergo um novo caminho, um despertar, me fazendo refletir sobre minha vida e buscar um novo caminho. "

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Luciana Rique

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“Olhe para dentro, para as profundezas, aprenda primeiro a se conectar. Só a experiência própria é capaz de tornar sábio o ser humano.” 

 

Sigmund Freud

Luciana Rique entre as frestas do fotográfico
 


Gestada num ambiente positivista na primeira metade do século XIX, a fotografia surgiu como uma ferramenta que teria a capacidade de registrar e legitimar a ocorrência dos eventos no tempo-espaço. Sua capacidade de mimetizar as realidades e gerar imagens que permitiriam a humanidade revisitar sua história, revolucionou por completo nossa relação com o passado desde então.

Não demorou muito para que, ainda no século XIX, fotógrafos e artistas se apoderassem do aparelho fotográfico e inscrevessem nele outras possibilidades, como a de fabular e tornar visível realidades e fantasias não tangíveis. Avançando pelo século XX, dadaístas e surrealistas implodiriam de vez os limites que cerceavam a liberdade da expressão fotográfica. Colagens, montagens, truques de laboratório, solarizações e outras experimentações tornaram desde então a fotografia um terreno dos mais livres e instáveis, sujeita aos desígnios de quem se apodera da câmera, sem com isso perder seu papel social de testemunha ocular do tempo histórico. Documentar e inventar passou a ser duas vias pela qual a fotografia pode trafegar. Nos dias de hoje tornou-se um consenso que esses dois caminhos não são estanques e que a porosidade entre ambos nos leva a perceber que documentar também é inventar e vice-versa.

No contexto da fotografia contemporânea, alguns artistas que trabalham no campo da metalinguagem, têm se valido dessa pseudo dicotomia para trazer à tona a pulsão de fragmentos do entorno muitas vezes invisíveis a olho nu, mas que seus olhos-câmeras são capazes de criar estratégias para libertá-los de onde estavam enclausurados.

A investigação poética de Luciana Rique se posiciona exatamente nessa fresta entre o não visto e a descoberta, entre o oculto e a aparição. Frequentadora ávida do circuito de arte contemporânea, o olhar da fotógrafa foi forjado entre obras de alguns artistas referenciais para ela, tais como Donald Judd, Mark Rothko, Richard Serra, Man Ray e Pierre Soulages.

O gosto por esses artistas, levou Luciana Rique a tangenciar com sua fotografia questões conceituais que comumente vemos nas obras deles: estratégias para desestabilizar a noção de bi e tridimensionalidade dos volumes e de fraturar a relação entre figura e fundo. A capacidade de injetar atmosferas potentes via jogos cromáticos e de anunciar uma determinada forma para fazê-la diluir-se diante de uma contemplação mais detida, são experimentos que fazem parte do léxico da artista que finda por reconfigurar espacialidades propiciando uma espécie de território paralelo para reflexões existenciais.

A partir desses pressupostos Luciana Rique criou, nos últimos dois anos, uma série fotográfica fazendo de seu gesto criativo uma jornada pessoal intensa com contornos de uma autoanálise terapêutica. Assim foi surgindo, em profusão, uma constelação de imagens que reunidas são capazes de formatar um mundo paralelo e acolhedor. Tratam-se de fotografias que buscam o equilíbrio mais estável e harmonioso possível entre forma, luz, cor, grafia e textura. Por vezes parece que estamos diante de um haicai fotográfico, no qual a artista visa obter uma instância sensorial contundente com o mínimo de recursos.

Segundo a própria Luciana: “Com a fotografia descobri a possibilidade de criar um mundo paralelo. A fotografia que pratico escapa da relação especular e mimética com o entorno. Não registro o visível, mas sim parcelas de luz, jogos cromáticos e volumes que estão ocultos na paisagem. Dessa forma a fotografia funciona como uma espécie de detector de novas potências visuais, novas paisagens. São lugares diáfanos, voláteis, que ao mesmo tempo me levam para um estado contemplativo no qual me sinto acolhida. Penso que são imagens que me propiciam o estágio inicial da meditação”.

Para que imagens fotográficas inspirem o caminho da interiorização e da meditação, ao relacionar luzes, tonalidades, linhas e volumes, é necessário que a artista saiba modelar com astúcia a linguagem. Eis que, nesse caso, a fotografia direta nos proporciona, por meio da poética de Luciana Rique, uma visão renovada, harmônica, de uma beleza inesperada e calma, ao espiar atentamente os espaços do cotidiano que teimamos em não trazer à luz com nossos apressados olhos.
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                                                                                                                                                                                                                                                                  - Eder Chiodetto,  curador

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