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Entreato

Curadoria Eder Chiodetto
Setembro 2023

Entreato


Algo que está entre um lugar e outro,
essa lacuna que manda o espectador quando vê minhas imagens;
saímos do mundo cotidiano e entramos numa instância, nesse pedido.
Algo entre, um convite a entrar numa fresta, não em um espaço dado.
Um universo de imagens que cria uma atmosfera muito envolvente, porque elas criam de fato uma instância estética, atmosférica, poética.
Minhas imagens têm um sentido oculto, que não está manifestado.
Tornam-se tátil volátil.
Geram a espacialidade.
Criaram uma conexão inesperada, etérea, efêmera,
o devaneio da forma.
Minha matriz é a flutuação,
Minhas imagens nunca estão no chão,
elas não têm gravidade,
elas levitam;
um campo intangível.
Produzem uma instabilidade, uma volatilidade.
O desdobramento da forma.
ar
flutuar



                                                                                                                             -Luciana Rique

“Se a perda da individualidade é de certa forma imposta ao homem moderno, o artista lhe oferece uma revanche e a ocasião de encontrá-lo”.
-Lígia Clark

Um dos potenciais da arte é o de criar um universo sensível paralelo onde podemos nos refugiar ou ao menos criar um espaço mental sensível, a partir do qual conseguimos olhar para o mundo e para a nossa atitude diante da vida de forma questionadora, crítica, sonhadora e edificante. Dessa forma, certos artistas como Luciana Rique se dedicam a construir com sua obra uma espécie de cápsula, um território à revelação do cotidiano ordinário, que encontra por se constituir num espaço terapêutico.

Entreato, primeira mostra individual de Luciana Rique, reúne uma seleção de fotografias da produção recente da artista, que funciona como uma espécie de dispositivo que visa interligar o consciente e o inconsciente, a visão e a ilusão, o corpo e o cosmos. 

“Meu trabalho é sobre o não ouvido, o não visto, o não dito. Surge a partir do momento em que resolvi refletir sobre uma situação de alheamento que vivi entre a infância e a adolescência. Era como estar permanentemente fora de foco. Percebi na fotografia um espaço lacunar por meio da qual criei relações onde ressoam minhas percepções e crie um lugar de cura e de conciliação comigo mesma”, diz a artista.

Para materializar esse dispositivo de especulação artística e terapêutica, Luciana Rique observa atentamente as frestas, os cantos, perscruta tudo o que é promessa de uma dimensão paralelamente harmônica. Uma distensão em contraponto às realidades que nos impelem a um modo de vida racional e cartesiano. E então, ela captura uma única coreografia de luzes acidentais a revelar conjunções cromáticas sutis que se acomodam na composição, em grafias e geometrias nas quais o equilíbrio das formas desvelam territórios de apaziguamento e liberdade.

Entre essas imagens, percebemos que o gesto artístico está empenhado em construir, fotograma por fotograma, uma constelação de cenas que ao serem reunidas ensejam o esboço de um universo paralelo que Luciana Rique cria para viver nele. Ao (se) expor, nesse espaço não linear erigido pela justaposição de luzes, cores e jogos formais, um artista nos convida para adentrá-lo e nos deixa permear por uma percepção de caráter sensorial e extático. Eis que surge, nesse instante do encontro do público com sua obra, o potencial de uma obra relacional, linha amplamente propagada por alguns artistas, como Lygia Clark, que dizia: “Por meio de outra pessoa, o indivíduo pode perceber o seu próprio sentido , conheça-se a si mesmo”. 

Nessas imagens que orbitam o novo espaço de trabalho de Luciana Rique, seu olhar singular descreve aquilo que a visão comumente não nos revela. Sua obra ópera entre o que é visto e não é percebido, entre o referente fotográfico e o artifício, entre o trauma e a liberdade, entre o mundo tangível e sua representação no teatro. Entreato.

                                                                                                                       
                                                                                     -Éder Chiodetto

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